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A Ruiva, de Fialho de Almeida

16/10/2011


Antes de qualquer outra consideração, importante ou nem por isso, sinto-me com o dever de revelar que um livro que retrata casos de necrofilia só pode ser um livro simpático. Não é, decerto, um tema que agrade à maioria das pessoas – mas é por isso que o torna interessante. Posto isto, também me sinto na obrigação de afirmar que este livro não trata de necrofilia, mas sim da vida de uma jovem ruiva e do seu companheiro João (sendo a necrofilia episódios esporádicos).

Esta é uma história que retrata a decadência da vida humana – desde o nascimento até à morte, porque as pessoas assim o estão confinadas a tal. Fialho de Almeida começa por relatar-nos a infância pobre de Carolina (a rapariga ruiva desta narrativa), que aprendeu as coisas da vida com os cadáveres que o seu pai enterrava, e como esta, na adolescência, conheceu João, que conseguiu ter uma infância ainda mais miserável que Carolina.

Do meu ponto de vista, o destaque deste livro é mesmo a descrição magistral que Fialho de Almeida faz da infância de João. É uma descrição ao mais puro estilo de Dickens, que deixa comovido o coração mais gélido de qualquer leitor que não nutre sentimentos pelo que quer que seja – se for o caso, a infância de João até é capaz de fazer derramar lágrimas. E queixamo-nos nós da nossa vida! Cada um tem as suas desgraças, mas a maioria de nós foi poupada à sorte que o pequeno João teve.

A história, exceptuando estes dois aspectos (a necrofilia e a infância deplorável do João), não é nada de grande notoriedade ou de grande destaque – é normal, digamos assim. Mas não deixa de ser interessante, devido à escrita bastante eloquente e, ainda assim, perceptível. Como sempre, a escrita é capaz de transformar um livro – e eis aqui mais uma prova da sua importância.

Quanto à história (em meia dúzia de linhas): Carolina passa a sua infância no cemitério e conhece João por intermediário de Marcelina, que apoia a relação do casal. Passado algum tempo juntos, João farta-se da sua namorada e resolve-se com outras mulheres. Carolina, por seu turno, deixa João e vai trabalhar para uma fábrica – onde conhece Jerónima. As duas acabam por prostituir-se. Carolina morre e é enterrada sem pena, tristeza ou saudade.

“Foi o tio Farrusco quem cobriu de terra o corpo, despedaçado pelo seu escalpelo, da rapariga corroída de podridões sinistras, abandonada do berço ao túmulo, e pasto unicamente de desejos infames e de desvairamentos vis”.

A vida de Carolina e dos que a rodeiam (salvo João) é-nos narrada de uma maneira a não alimentarmos aquela paixão que sentimos com certas personagens. O motivo? “A grande desmoralização actual” – que é o tema principal do livro: desde a desatenção do pai de Carolina, a profanação dos cadáveres, a relação puramente física da ruiva com João, até à prostituição da rapariga (só porque sim) e aos seus vícios, passando pela sua morte que não foi sentida por ninguém. Em suma, a ruiva é a decadência em pessoa, pelo menos para a época em que viveu.


Sobre o autor: Fialho de Almeida nasceu em 7 de Maio de 1857 e morreu a 4 de Março de 1911, em Cuba. Para além de escritor, foi médico. Uma das suas obras mais afamadas é O País das Uvas, publicado em 1893. Mais sobre o escritor aqui.
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