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Os mortos mandam, de Vicente Blasco Ibañez

08/09/2013

Ibiza no século XIX. Imagem daqui.
Comprei este livro não pelo título sonante, não pelo autor que nunca ouvi falar dele, mas pelo simples facto de ser um livro fisicamente decrépito, esburacado e com as páginas amareladas. Concluí que só poderia ser um livro bom, pois tenho a convicção de que a literatura que se fazia antes é óptima.

Considerem o facto uma ideia pré-concebida, mas a verdade é que o livro é de qualidade (melhor dizendo, a história, porque o livro quase que se me desfazia nas mãos). Não é meu costume alongar-me sobre as edições dos livros que leio, porém sinto-me no dever de o fazer quando se trata de um livro antiquíssimo (neste caso, com pelo menos 100 anos). É inimaginável e, portanto, difícil de descrever, o prazer que é cheirar um livro assim, o tesouro precioso que constitui para alguém cuja raison d’être é ler até mais não…

A história, segundo a minha interpretação, é uma história de amor com uma moral que se opõe ao preconceito e à tradição (daí o título pomposo deste livro, Os Mortos Mandam). O extraordinário da narrativa é que o leitor só se apercebe que é uma história de amor quando o fim do livro se aproxima, poupando-nos Ibañez das lamechices.

Jayme Febrer, personagem principal da narrativa, é descendente de uma família senhorial bastante rica mas, surpresa das surpresas, a época senhorial já acabou e agora o pobre homem encontra-se na miséria. Este é o mote para a história seguir o seu curso.

Numa tentativa de conseguir dinheiro, decide casar-se com uma rapariga cujo dote não é propriamente pequeno. O problema reside no facto de a rapariga ser judia, coisa imperdoável na Maiorca de finais do século XIX/inícios do século XX.

É neste ponto que os mortos começam a mandar. Pois ninguém foi capaz de perceber a situação de Febrer, a sua solução prática, apenas atentavam-se à tradição, ao grande nome da sua família, ao facto de que nunca um Febrer poderia juntar-se a uma judia.

Febrer decide partir para Ibiza, onde passa a viver com o apoio de um antigo empregado seu, Pép. Acontece que Febrer apaixonou-se pela filha daquele, decidindo pedir a mão da rapariga ao pai.

Obviamente que o pedido foi recusado, pois como poderia a filha de um camponês casar-se com um fidalgo (que, mesmo sendo pobre, tinha a honra/peso do seu nome)? Os preconceitos, mais uma vez, falaram mais alto – para infelicidade de Febrer.
“Estava convencido Febrer de que todos nasciam metidos entre duas valvas de preconceitos, escrúpulos e orgulhos, herança do que nos procederam na vida, e por mais que os homens se movessem, nunca chegavam a desprender-se da mesma fraga em que vegetaram os seus predecessores. (…) Todos os seres eram como foram os que caminharam adiante, como seriam os que chegassem atrás. Mudam as formas, mas a alma conserva-se imóvel, imutável.”
A história gira à volta desta premissa, de que os preconceitos (criados pelos que já estão mortos há bastante tempo) mandam na nossa existência, controlam os nossos actos, vigiam os nossos pensamentos. Mas será realmente assim?

Não nos é revelado se Febrer se casa ou não. Apenas nos é dito uma verdade universal: “os mortos não mandam; quem manda é a vida, e depois da vida o amor.” Há preconceitos, e sempre os haverá, todavia o amor é mais forte – uma moral que vale a pena ser pregada.
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