Image Map

A Quinta dos Animais, de George Orwell (parte 2)

18/10/2015


Imagem daqui.
*O texto tem spoilers.
*A parte 1 do texto pode ser lida aqui.

A tirania de Napoleão

A tirania de Napoleão instala-se gradualmente, de forma subversiva, de modo a não levantar muitas suspeitas e de modo a que os animais não descubram. A tirania, assim, é feita a partir de pequenos pormenores, pequenas diferenças e desigualdades que se fazem sentir entre os porcos e os restantes animais e que, todas somadas, dão o poder completo a Napoleão.

Os restantes animais apercebem-se dessas diferenças, mas nada fazem porque é-lhes dito que é para seu bem (entra aqui a manipulação de Tagarela), por medo a Napoleão, por causa da alteração das leis (se é legal, não é errado) e porque, a certa altura, já não se lembram do ideal do Velho Major, da Rebelião e do tempo do sr. Reis (a não ser Benjamim, que afirma muitas vezes que os burros vivem muito tempo, afirmação que é enigmática para os outros animais, mas não para o leitor).

Eis as desigualdades:

1ª desigualdade: os porcos não trabalham, supervisionam o trabalho dos outros animais.
2ª desigualdade: na Assembleia, eram sempre os porcos que formulavam as moções.
3ª desigualdade: o leite que desapareceu, os porcos usaram-no para misturar na sua ração.

4ª desigualdade: todas as maçãs seriam para consumo dos porcos, com o pretexto de que lhes são necessários por causa do trabalho intelectual. Segundo Orwell, a apropriação do leite e das maçãs seria o ponto de viragem da história (isto é, quando Napoleão inicia a sua tirania). Se os animais tivessem percebido isso, o desenvolvimento da história seria diferente. Para o autor, a moral da história é «a de que as revoluções só conduzem a melhorias significativas quando as massas estão alerta e sabem como expulsar os líderes assim que estes cumprem as suas funções». De facto, os animais não estavam alerta (talvez com a excepção de Benjamim) e foi isso, em último caso, que permitiu aos porcos dominarem a quinta.

5ª desigualdade: Napoleão anunciou que as Assembleias deixariam de se realizar, pelo que todas as decisões seriam tomadas por um comité presidido por ele. Neste ponto, Napoleão já construiu o aparelho para que o seu poder se mantenha: os cães, que são uma forma de repressão; Tagarela, que manipula os animais; o afastamento de Bola-de-Neve.

6ª desigualdade: Napoleão, Tagarela e Mínimo sentavam-se na parte da frente do estrado, com os outros porcos atrás; os restantes animais sentavam-se de frente para eles. Há aqui, efectivamente, uma diferenciação: os porcos já se consideram superiores.

7ª desigualdade: Napoleão é tratado como «o Líder» pelos porcos.
8ª desigualdade: Napoleão passava todo o tempo no solar e quando aparecia em público, era de maneira cerimoniosa.
9ª desigualdade: Napoleão condecorou-se, envergando duas medalhas.
10ª desigualdade: Napoleão andava com um galo à sua frente, de maneira a anunciar a sua palavra.
11ª desigualdade: no solar, Napoleão vivia em aposentos separados.
12ª desigualdade: a caçadeira, tradicionalmente disparada em datas solenes, iria ser disparada também no aniversário de Napoleão.
13ª desigualdade: já todos os animais se referiam a Napoleão como «o Líder».
14ª desigualdade: Napoleão mandou que inscrevessem um poema em sua honra na parede do celeiro grande. Em cima do poema, um retrato de Napoleão.
15ª desigualdade: o moinho que os animais estavam a construir iria chamar-se Moinho Napoleão.
16ª desigualdade: nas batalhas com os homens, que de vez em quando tentavam invadir a Quinta dos Animais, Napoleão ficava na retaguarda.
17ª desigualdade: as rações eram reduzidas, quando havia escassez de alimentos, exceptuando as rações dos porcos e dos cães.
18ª desigualdade: os leitões não podiam brincar com os outros animais.

19ª desigualdade: Napoleão manda construir uma sala de aula apenas para os leitões. A educação é um ponto importante: ao educar somente os porcos, deixando os outros animais de lado, Napoleão está a manter o domínio dos porcos sobre os restantes.

20ª desigualdade: quando um porco e um outro animal se cruzavam no mesmo caminho, o outro animal era obrigado a parar.
21ª desigualdade: todos os porcos, aos domingos, podiam usar uma fita verde na cauda.
22ª desigualdade: Napoleão comia açúcar, restringido aos restantes animais.
23ª desigualdade: toda a cevada era para os porcos.
24ª desigualdade: todos os porcos tinham direito a 1,5 litros de cerveja por dia, Napoleão tinha direito a 2 litros.
25ª desigualdade: os porcos passaram a caminhar sobre as patas traseiras, mostrando a sua superioridade aos outros animais. O processo de humanização dos porcos está quase completo.
26ª desigualdade: os porcos que tinham como função supervisionar os outros animais podiam usar chicote.
27ª desigualdade: Napoleão fuma cachimbo.
28ª desigualdade: os porcos usam roupa.
29ª desigualdade: o título de propriedade da quinta estava em nome dos porcos.

Todas estas desigualdades são justificadas pela lei (os mandamentos), que Napoleão altera frequentemente para não ser contestado pelos outros animais (as alterações estão em itálico):

1ª alteração: “Nenhum animal dormirá numa cama com lençóis”.
2ª alteração: “Nenhum animal matará outro animal sem motivo”.
3ª alteração: “Nenhum animal beberá álcool em excesso”.
4ª alteração: mudança total da lei escrita para “Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que outros”.

Com a última alteração à lei, Napoleão passará a ter todos os seus actos justificados, ou seja, passará a governar despoticamente sem impedimentos. A mudança total da lei revela o quanto Napoleão estava longe do ideal do Velho Major, sendo igual ou ainda pior que o sr. Reis (o mesmo se passava na URSS). Os animais sonhavam com a igualdade, com a justiça, mas acabaram apenas por trocar o dono.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...